quarta-feira, 4 de março de 2009

Estrangeiro na floresta

As densas gotas da chuva tropical pesam sobre as folhas das árvores e caem se juntando em poças na terra. O som das gotas de chuva é monótono. Monótono e grandioso. Elas caem sozinhas e isoladas, sem serem vistas por olhos humanos. Respingam nos galhos, nos troncos, nas flores e folhas, na terra, nas pedras, na própria lama, mas juntas fazem um só som. Um som monótono e grandioso.
Mas em meio à floresta há um estrangeiro, enrolado em panos delicados, e encharcados pela chuva. Na terra jaz o estrangeiro, com seus pequenos olhos fechados, e seus pequenos braços e pernas agitados. Ele gritava chorando, mas a chuva gritava mais alto e suas lágrimas eram nada perto das densas gotas. E ele gritava mostrando a boca faltando os dentes. Era um bebê o estrangeiro, e era estrangeiro, pois ali, sozinho, não pertencia. Fora entregue à própria sorte. E todos sabem que a sorte de um bebê entregue à própria sorte é uma só, e é a pior delas. Largado só, na selva; não há forças no infante para sequer saber como lutar pela própria vida. Eis a sorte do estrangeiro.
É estranho que tal cena nos cause o senso de injustiça no abandono da criança, mas não creiamos ser injusto que ela precise não ser abandonada; não nos passa à mente que seja injusta a fragilidade do bebê, mas apenas o abandono dele à sua própria fragilidade.
É triste ver o orgulho dos tempos, dos nossos tempos, em que se aceita à necessidade da nutrição da carne, do ensino da sobrevivência e do teste das forças do corpo, mas se crê na absoluta independência do homem de qualquer realidade externa que o venha formar espiritualmente. Não falo da crença em si, que pode ser variada e por vezes até bem próxima do ideal, mas da descrença na necessidade do ensino da realidade espiritual. Os ateus são em menor número, isso é fato, mas aqueles que dizem crer em Deus, em sua maioria, já não buscam por uma Verdade que os transcenda, mas apenas uma “verdade” que os satisfaça. Esses são como crianças chorando abandonadas na selva.

Situação hipotética: a criança consegue sobreviver, bebendo nos primeiros anos água da chuva e seiva das árvores, e comendo insetos, sem que seja preza de predador algum. Mas cresce fraco pela comida que não é sua própria, e não cresce para andar de pé. Faz-se todo homem, mas não vive como tal.
Ou se sua sorte for de grande acaso, é criado por macacos, tal qual Tarzan. Ou bebe leite das tetas de uma loba tal qual Rômulo e Remo. Anda como macaco, ou ainda quase como lobo, come o que come o macaco, e mal conseguiria caçar como caça um lobo, mas faria isso tudo ainda com a aparência de um homem.
Nas duas situações, no entanto, apesar de ter forma de homem, falta-lhe humanidade. E essa, se é própria do ensino de pais para filhos, essa se é tão vital para a vida da carne sem que nos questionemos que seja injusta, por que não haveria justiça na transmissão dos conhecimentos de sobrevivência espiritual?