quinta-feira, 5 de março de 2009

A moral e o tênis

Por J. J. Grinda


Estou quase convencido de que os partidários da moral subjetiva* não são fãs do tênis, nem de jogar nem de assistir.

Esta afirmação – que estou disposto a provar cientificamente, com estatísticas, percentagens e o resto – tem mais importância do que parece. Não vou arrasar o leitor – aqui e agora – com núme­ros, índices e gráficos, mas pode tomar esta opinião como praticamente certa.

Como em todas as grandes descobertas, tive a primeira intuição do assunto de um modo casual. Sim, estava precisamente debaixo de uma ár­vore; mas não se alarme ninguém porque não me caiu maçã nenhuma. Estava debaixo de uma árvore e acima de um campo de tênis. A direita, um joga­dor; à esquerda, outro. Eu como único espectador.

O da direita lançou um saque terrível, que entrou perfeitamente no espaço regulamentar. O da esquerda nem teve tempo de entrar com a raquete, mas teve tempo de dizer: “Fora! Foi fora!”.

O da direita voltou a sacar – um pouco abes­pinhado –, mas com muito menos força. O da esquerda respondeu-lhe com um golpe fortíssimo, cruzado, mas que lamentavelmente caiu um pouco fora da quadra. “Dentro!”, gritou imediatamente.

O pior do caso é que o da esquerda era meu amigo. O da direita veio até mim em busca de ajuda, como se eu fosse o próprio Salomão. Lembrei-me daquilo de que “amigo de Platão, mas mais amigo da verdade” e, quase sem olhar para o meu amigo, disse-lhe: “Quando você disse «fora» foi dentro, e quando você disse «dentro» foi fora”.

― Impossível – gritou o meu amigo.
― Por que impossível? – respondi-lhe.
― Porque eu vi que o saque da direita foi fora e vi que a minha devolução foi dentro. Foi dentro! – repetiu.
― Você viu completamente fora o que foi completamente dentro e viu dentro o que foi com­pletamente fora?
― Sim! – repetiu com total convicção.


SINCERAMENTE ENGANADO

O grave não era que o meu amigo estivesse mentindo ou pretendesse enganar-nos. O grave era que o meu amigo era sincero.

Quase todos os tenistas são sinceros quando dizem “dentro!”, ainda que tenha sido fora (ao menos, vá lá, em 87,5% das vezes), e o mesmo quando dizem “fora!” (outros 87,5% das vezes). O mau é que a sua sinceridade os engana e, curiosamente, vêem as bolas dentro ou fora conforme lhes convém vê-las dentro ou fora.

A nossa própria consciência, sozinha, pode enganar-se.

Algumas morais e éticas subjetivistas parecem fazer esforços quase titânicos – como os que fazia o meu amigo – para nos convencerem de que o que está fora (por exemplo, da lei de Deus e da Igreja) está dentro, e o que está dentro, fora. Um exemplo: ante as trapaças na vida conjugal, a lei de Deus e da Igreja dizem: “Fora!”, e alguns subje­tivistas não fazem mais do que gritar freneticamente: “Dentro!”.

Não caem na conta de que podem enganar-se, como o meu amigo tenista. Talvez valesse a pena que os partidários da consciência como único juiz da ordem moral dessem uma volta pelos campos de tênis ou, até melhor, que eles mesmos empunhas­sem uma raquete. Aposto seja o que for que mais de uma vez diriam “Fora!”, naturalmente à bola do adversário, e aposto igualmente que, havendo espec­tadores e juiz, teriam que escutar uma multidão de vezes: “Não, amigo; a bola foi dentro”.

Um jogo de tênis baseado unicamente na apre­ciação subjetiva dos jogadores poderia ser ocasião de revelar ou atingir uma grande maturidade e um alto ideal. No entanto, a realidade – triste por um lado, mas alegre por outro – nos diz que seria um jogo com muita trapaça. Trapaças cheias de boa vontade e auto-convicção sinceríssima, o que seria justamente o pior do assunto.

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(*) O autor refere-se à idéia, hoje espalhada em certos meios, de que a bondade ou maldade dos atos hu­manos deve ser julgada, não em função dos critérios obje­tivos de moralidade – lei de Deus e lei natural –, mas por cada pessoa de acordo com as suas próprias opiniões ou sentimentos (N. do T.).
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