sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A “Cantiga de Guarvaya” ou “Cantiga Ribeirinha”

Acorriam estrangeiros aos portos de Portugal, acolhia-os o Rei no intuito de aumentar a população, fazer fértil aquelas terras após os findos tempos das trevas bárbaras. Conhecido tal senhor, combatente dos mouros, ficou por Povoador. Dom Sancho I, o Povoador, segundo a subir no trono lusitano, quarto filho do monarca Afonso Henriques. Batizado fora de Martinho em honra ao santo do dia de seu nascimento, mas tendo seu irmão mais velho falecido recebeu alcunha um tanto mais monárquica, chamado ficou Sancho Afonso.

À infanta de Aragão e Catalunha, Dulce de Barcelona, teve por esposa, e com ela uma prole de onze filhos e filhas. Desses valem menção três de suas filhas, Dona Mafalda, Dona Sancha e Dona Teresa que se tornaram freiras, e por suas vidas fizeram-se beatas. O Rei não era, no entanto, tão santo, teve outros tantos filhos bastardos. Seis desses filhos ilegítimos teve com Dona Maria Pais Ribeiro, conhecida como a “Ribeirinha”.

O texto que agora apresento, escrito pelo poeta trovador Paio Soares de Taveirós, é dito ter por inspiração a Ribeirinha, e por muito foi considerado o texto literário mais antigo que se tem registro em língua portuguesa. Muitos dizem datar de 1189 ou 1198, mas parece já provar-se ter sido escrito apenas no início do século XIII, não sendo mais o mais antigo. Sendo d’antes ou depois, ter por tanto tempo sido, pois, o texto mais antigo de nossa língua-mãe, trago-o por sua importância histórica de hoje ou de outrora. Devido ao arcaísmo da escrita do chamado galego-português, trago também notas a desvendar o dito. Eis, por fim, a “Cantiga de Guarvaya” ou “Cantiga Ribeirinha”:


"No mundo non me sei parelha,

mentre me for' como me uay

ca ia moiro por uos e ay!

mha senhor branca e uermelha,

queredes que uos retraya

quando uos eu ui en saya!

Mao dia me leuantei,

que uos enton non ui fea!

E, mha senhor, des aquel di' ay!

me foi a mi muyn mal,

e uos, filha de don Paay

Moniz, e ben uus semelha

d' auer eu por uos guaruaya

pois eu, mha senhor, d' alfaya

nunca de uos ouue nem ei

ualia d' üa correa."

(por limitações técnicas é posto ü ao invés de u com til)


[VOCABULÁRIO: parelha = semelhante, igual; mentre = enquanto, entrementes; ca = pois, porque; moiro = morro; senhor = senhor(a); queredes = quereis; retraya = retrate, evoque; que uos enton non ui fea = que então vos vi linda (por litote); mi = mim; semelha = parece; guaruaya = manto escarlate próprio dos reis.]


Por

Gustavo V. de Andrade

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