CAPÍTULO I
Chamamos de potências ou faculdades da alma à inteligência e a vontade. São, como se costuma dizer, as duas asas que levam à alma para o alto. O espírito angélico, da mesma forma, possui as duas asas, como de outra forma não poderia ser, pois são o complemento necessário de todo ser espiritual. Nele, elas são mais potentes e velozes, visto que um anjo é um espírito puro. Entre a inteligência e a vontade humana, e a inteligência e a vontade angélica, existe a mesma diferença que entre as asas de um inseto, e as asas de uma majestosa águia.
Nosso conhecimento dos anjos não seria possível senão pela via de comparação com nós mesmos; ao estudarmos a inteligência humana reconheceremos suas imperfeições, e compreenderemos que nos são próprias, poderemos então afastar o pensamento de fazer em nós a inteligência angélica, e só assim conseguiremos com sucesso pensar com certa clarividência, segurança e profundidade.
O espírito humano está como que adormecido durante a infância; ele se acorda impressionado com as imagens das coisas sensíveis; e, no começo, só lhe é acessível as impressões de prazer e dor. Então a razão desperta: o homem toma consciência de si mesmo, ele adquire a idéia de um bem que não prazer, de um mal que não é uma dor; ele passa ao estado de ser moral. Sua mente começa a se abrir gradualmente, e procura penetrar à verdade em todas as coisas; auxiliado pela aprendizagem social, ele enxerga claramente que, além do mundo material, há um mundo acessível apenas ao pensamento; esse mundo ele se esforça por adentrar, e ali fazer morada. Como esta formação é longa! Como estes questionamentos estão sujeitos ao erro! E mesmo nas concepções que ele laboriosamente adquire sobre as coisas espirituais, o homem acaba por deparar-se com obstáculos aparentemente intransponíveis. Unido a um corpo, seu pensamento necessita de um ponto de referência no mundo sensível para lançar-se no mundo intelectual.
Tais imperfeições não existem na inteligência angélica.
Puro espírito, o anjo não conhece a letargia de um espírito no corpo. Sua inteligência nunca dormiu, nem dormirá: desde o primeiro momento de sua existência, ela produziu seu ato, ela se jogou no esplendor do mundo intelectual, que era seu próprio elemento.
Não houve nos espíritos angélicos a formação intelectual. Deus os deu, juntamente com sua natureza, as idéias-mãe de todas as ciências. E bastava um piscar de olhos para os anjos tomarem posse por completo de um determinado campo da ciência que lhes fosse aberto ao aprofundamento, como basta ao homem um piscar de olhos para estar na eminência de abraçar um vasto horizonte.
Isso não significa dizer que a ciência de um anjo não pode ser aumentada; mas ela se expande, sem esforços, nos objetos que lhe são apresentados, e que estão ao alcance de sua visão.
Santo Tomás não teme em afirmar que, compreendida em si mesma e em relação a seu objeto, esta ciência está imune a todo erro; porque de uma só vez ela vai ao íntimo do objeto, e o contempla em todas as suas qualidades. Ela não atua de fato por um raciocínio laborioso, mas sim por meio de uma intuição segura de si mesma. Onde pode errar o espírito angélico é apenas em relação às coisas sobrenaturais e divinas que não fazem parte de sua esfera.
Enfim, a ciência dos anjos é uma ciência pura, ou seja, livre de qualquer imagem sensível que possa lhe enfraquecer a pureza e o vigor de seu intelecto. O anjo conhece a tudo espiritualmente; ao passo que o homem conhece a tudo materialmente, mesmo as coisas espirituais. A diferença é tremenda, como veremos.
A diferença é tão grande que Santo Tomás diz existir uma distância maior entre o conhecimento de um anjo e a do homem mais sábio do mundo, que a distância que há entre o conhecimento do homem mais sábio do mundo e o do mais ignorante. Comparemos três exemplos: um anjo, Santo Tomás e um iletrado. O anjo estará num grau imensamente mais elevado em relação a Santo Tomás, que o próprio Santo em relação a o iletrado. Poderíamos dar um melhor exemplo da idéia da transcendência da ciência angélica?
Ó Santos Anjos, águias sublimes das montanhas da eternidade, que se banham no esplendor que emana do Verbo, há, no entanto, um dom preferível à vossa ciência, e este dom cabe ao homem como a vós: é a caridade.
Consideremos agora à vontade angelical – A vontade segue à inteligência, e inclina o espírito ao objeto cuja beleza lhe é revelada. A inteligência é tateante, assim como a vontade humana é hesitante; a vemos agarrar-se a um objeto, para depois abandoná-lo; ela é livre, mas sua liberdade é limitada, diminuída pelo impulso das paixões, que nasce do apetite sensual.
Se, como vimos, a inteligência angélica difere da inteligência humana pela prontidão e segurança de seus conceitos, a vontade dos anjos difere da nossa por sua energia e a inabalável tenacidade de suas resoluções.
O anjo é incontestavelmente livre; e sua liberdade é mais clara que a nossa, estando acessível à atração apenas das coisas transcendentes. Ela não experimenta as questiúnculas, essas flutuações, que resultam das tendências opostas que nascem do espírito e da carne.
Estando livre e superiormente livre, o anjo estabelece para si mesmo esta ou aquela meta. Mas ele se determina com uma tal força de vontade, tão absoluta, que sua determinação se torna irrevogável.
Mas isso não faz do anjo impecável. É um privilégio da natureza divina o de não poder pecar. Todo ser criado pode distanciar-se de seu criador, assim como, pela graça, pode se aperfeiçoar aproximando-se dEle.
Estes conceitos são necessários para esclarecer nosso assunto. Nós iremos em breve discutir o grande drama da queda dos anjos. Mas primeiramente contemplemos o esplendor de sua criação.
Nosso conhecimento dos anjos não seria possível senão pela via de comparação com nós mesmos; ao estudarmos a inteligência humana reconheceremos suas imperfeições, e compreenderemos que nos são próprias, poderemos então afastar o pensamento de fazer em nós a inteligência angélica, e só assim conseguiremos com sucesso pensar com certa clarividência, segurança e profundidade.
O espírito humano está como que adormecido durante a infância; ele se acorda impressionado com as imagens das coisas sensíveis; e, no começo, só lhe é acessível as impressões de prazer e dor. Então a razão desperta: o homem toma consciência de si mesmo, ele adquire a idéia de um bem que não prazer, de um mal que não é uma dor; ele passa ao estado de ser moral. Sua mente começa a se abrir gradualmente, e procura penetrar à verdade em todas as coisas; auxiliado pela aprendizagem social, ele enxerga claramente que, além do mundo material, há um mundo acessível apenas ao pensamento; esse mundo ele se esforça por adentrar, e ali fazer morada. Como esta formação é longa! Como estes questionamentos estão sujeitos ao erro! E mesmo nas concepções que ele laboriosamente adquire sobre as coisas espirituais, o homem acaba por deparar-se com obstáculos aparentemente intransponíveis. Unido a um corpo, seu pensamento necessita de um ponto de referência no mundo sensível para lançar-se no mundo intelectual.
Tais imperfeições não existem na inteligência angélica.
Puro espírito, o anjo não conhece a letargia de um espírito no corpo. Sua inteligência nunca dormiu, nem dormirá: desde o primeiro momento de sua existência, ela produziu seu ato, ela se jogou no esplendor do mundo intelectual, que era seu próprio elemento.
Não houve nos espíritos angélicos a formação intelectual. Deus os deu, juntamente com sua natureza, as idéias-mãe de todas as ciências. E bastava um piscar de olhos para os anjos tomarem posse por completo de um determinado campo da ciência que lhes fosse aberto ao aprofundamento, como basta ao homem um piscar de olhos para estar na eminência de abraçar um vasto horizonte.
Isso não significa dizer que a ciência de um anjo não pode ser aumentada; mas ela se expande, sem esforços, nos objetos que lhe são apresentados, e que estão ao alcance de sua visão.
Santo Tomás não teme em afirmar que, compreendida em si mesma e em relação a seu objeto, esta ciência está imune a todo erro; porque de uma só vez ela vai ao íntimo do objeto, e o contempla em todas as suas qualidades. Ela não atua de fato por um raciocínio laborioso, mas sim por meio de uma intuição segura de si mesma. Onde pode errar o espírito angélico é apenas em relação às coisas sobrenaturais e divinas que não fazem parte de sua esfera.
Enfim, a ciência dos anjos é uma ciência pura, ou seja, livre de qualquer imagem sensível que possa lhe enfraquecer a pureza e o vigor de seu intelecto. O anjo conhece a tudo espiritualmente; ao passo que o homem conhece a tudo materialmente, mesmo as coisas espirituais. A diferença é tremenda, como veremos.
A diferença é tão grande que Santo Tomás diz existir uma distância maior entre o conhecimento de um anjo e a do homem mais sábio do mundo, que a distância que há entre o conhecimento do homem mais sábio do mundo e o do mais ignorante. Comparemos três exemplos: um anjo, Santo Tomás e um iletrado. O anjo estará num grau imensamente mais elevado em relação a Santo Tomás, que o próprio Santo em relação a o iletrado. Poderíamos dar um melhor exemplo da idéia da transcendência da ciência angélica?
Ó Santos Anjos, águias sublimes das montanhas da eternidade, que se banham no esplendor que emana do Verbo, há, no entanto, um dom preferível à vossa ciência, e este dom cabe ao homem como a vós: é a caridade.
Consideremos agora à vontade angelical – A vontade segue à inteligência, e inclina o espírito ao objeto cuja beleza lhe é revelada. A inteligência é tateante, assim como a vontade humana é hesitante; a vemos agarrar-se a um objeto, para depois abandoná-lo; ela é livre, mas sua liberdade é limitada, diminuída pelo impulso das paixões, que nasce do apetite sensual.
Se, como vimos, a inteligência angélica difere da inteligência humana pela prontidão e segurança de seus conceitos, a vontade dos anjos difere da nossa por sua energia e a inabalável tenacidade de suas resoluções.
O anjo é incontestavelmente livre; e sua liberdade é mais clara que a nossa, estando acessível à atração apenas das coisas transcendentes. Ela não experimenta as questiúnculas, essas flutuações, que resultam das tendências opostas que nascem do espírito e da carne.
Estando livre e superiormente livre, o anjo estabelece para si mesmo esta ou aquela meta. Mas ele se determina com uma tal força de vontade, tão absoluta, que sua determinação se torna irrevogável.
Mas isso não faz do anjo impecável. É um privilégio da natureza divina o de não poder pecar. Todo ser criado pode distanciar-se de seu criador, assim como, pela graça, pode se aperfeiçoar aproximando-se dEle.
Estes conceitos são necessários para esclarecer nosso assunto. Nós iremos em breve discutir o grande drama da queda dos anjos. Mas primeiramente contemplemos o esplendor de sua criação.