quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Primeiro Mandamento da Lei de Deus: Amar a Deus acima de todas as coisas


O Alfa e o Omega. O Princípio e o Fim. Assim tratamos da eternidade de Deus, com sua perenidade proclamada de forma magistral por seu próprio nome, “Eu Sou” (Yahweh).

Mas Deus é também o Princípio e o Fim moral, mais estritamente falando, o Princípio e o Fim do homem. Princípio porque Deus é “ser absoluto ou existente a se, infinito, eterno, princípio supremo, do qual trazem sua origem e dependem todas as coisas por meio da criação e da conservação, e, entre outras coisas, especialmente, o homem, sua imagem e semelhança”, assim fala o Cardeal Zeferino González na sua obra “Filosofia Elemental”. E é Fim porque temos a necessidade de “reconhecer e confessar que Deus é o sumo Bem, término final de nossos desejos, esperanças e aspirações, perfeição e felicidade suprema do homem”, também de acordo com o Cardeal González.

Essa realidade de Deus como Princípio e Fim se expressam claramente, como não poderia deixar de ser, na humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, segundo o então Cardeal Joseph Ratzinger, Cristo é o primeiro homem, novo Adão, que resgatou à humanidade e a reconciliou com Deus abrindo o caminho para uma nova humanidade, bem como também o último homem, aquele ao qual devemos aspirar como exemplo, já que, como bem expressa o título da famosa obra de Thomas de Kempis, devemos praticar a “Imitação de Cristo”. Ou como fala o Servo de Deus o Papa João Paulo II a respeito da completude da devoção do Santo Rosário, em sua carta apostólica “Rosarium Virginis Mariae”, “o terço converge para o Crucificado, que desta forma abre e fecha o próprio itinerário da oração”.

Esse direcionamento do homem, de Deus para Deus, foi, no entanto, interrompido pelo pecado original, mas que, como dito acima, Jesus nos restabeleceu. E a religião nada mais é que essa relação moral do homem para com Deus, como nos é mais comumente dado o sentido etimológico latino de “religare”, ou seja, religar.

A religião é uma necessidade intrínseca à natureza do homem, pois se cremos na possibilidade do homem por empresa de sua própria razão chegar ao conhecimento de que Deus existe, devemos também, como Lactâncio proclamar que: “Non potest religio a sapientia separari, nec sapientia a religione; quia idem Deus est quem scire oportet, quod est sapientiae, et idem quem colere, quod est religionis” (Nem a religião pode separar-se da sabedoria, nem a sabedoria da religião, sendo um mesmo Deus ao qual devemos conhecer e ao qual devemos prestar culto).

O homem necessita de uma “estância” superior individual, ao qual obedeça sua consciência, pois se tal não existe, não existe uma verdadeira moral, levando toda à ordem pública e mesmo privada a sujeição positiva das vontades humanas. A sociedade privada da verdadeira religião ou se submete à tirania, ou se verá destroçada por convulsões anárquicas, que é a tirania de todos.

E como a razão humana não é por si mesma capaz de criar uma religião perfeita e digna de Deus, e do próprio homem, existe uma real necessidade da Revelação. A ojeriza que a Religião Revelada normalmente causa aos deístas e racionalistas não é tanto relacionada ao entendimento, mas se sim relativa à vontade. E como atesta S.Tomás de Aquino, se de alguma forma é devido o conhecimento e uma certa relação moral do homem para com Deus, a “ignorância da maior parte dos homens, afastados das especulações científicas por preguiça, impotência, e sobretudo pelas necessidades e atenções da vida material”, como diz o Cardeal González, seria suficiente para provar a necessidade de uma Religião Revelada.

O homem possui então certos deveres para com Deus, que poderíamos chamar deveres da religião. Em primeiro lugar de buscar e investigar qual seria a religião verdadeira. O segundo de abraçar tal religião assim que a encontrar, o que significa não só a sua adesão no que alcança-lhe a razão, mas em sua inteireza, mesmo o que está além da compreensão intelectual. O que podemos estender ao terceiro ponto que é o de professar a religião, pois se existe a Revelação, existe também uma relação de busca pela perfeição por parte do homem, já que o direcionamento do homem a Deus é o direcionamento do mesmo à própria Perfeição. Em quarto lugar prestar culto religioso a Deus, interno, externo, e público, não a depender de nossas vontades, mas da própria fonte de Revelação, ou, melhor dizendo, da própria dignidade divina. E por último o dever de conservar, defender e propagar a verdadeira religião, uma vez conhecida e abraçada, pelo bem das almas dos próximos.

Chegamos então ao assunto do qual trata diretamente o Primeiro Mandamento, como diz o Catecismo Maior de S. Pio X “cumpre-se o primeiro Mandamento com o exercício do culto interno e externo” e segundo o Catecismo da Igreja Católica “o homem tem a vocação de manifestar Deus agindo em conformidade com a sua criação ‘à imagem e semelhança de Deus”.

Se a criação do homem é a prova maior do Amor de Deus para conosco é justamente porque nos deu a possibilidade de adorar, e amar ao sumo Bem que é Ele mesmo. Vejamos de que forma Deus criou ao homem:

“Disse também Deus: Produzam as águas répteis animados e viventes, e aves que voem sobre a terra debaixo do firmamento do céu. (…) Disse também Deus: Produza a terra animais viventes segundo a sua espécie, animais domésticos, e répteis, e animais selvagens segundo a sua espécie. E assim se fez. (…) e (por fim) disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do céu, e aos animais selvagens, e a toda a terra, e a todos os répteis, que se movem sobre a terra” (Gen. I, 20-26) e ainda “O Senhor Deus formou, pois o homem do barro da terra, e inspirou no seu rosto um sopro de vida, e o homem tornou-se alma (pessoa) vivente” (Gen. II, 7).

Existe uma clara e evidente distinção da criação do homem para a criação de todos os outros animais: o sopro. Todos os animais e plantas não deixam de ter alma, não deixam de ser seres “viventes”, mas sua vida é formada a partir da água e da terra, enquanto no homem existe uma infusão superior. Não quer dizer que não tenha sido Deus o criador da vida dos animais e das plantas, mas essa é uma vida meramente natural, enquanto a alma do homem participa também de uma realidade sobrenatural.

A etimologia:

A palavra “alma” vem do latim anima, que é aquilo que dá ânimo, que dá movimento, ou seja, todo ser que tem vida, tem alma, pois a vida é identificada com esse movimento. A palavra “espírito” vem do latim spiritus, que por sua vez vem de spirare, que significa respirar, soprar. Logo “espírito” significa respiração, sopro (justamente a distinção existente na criação do homem). O homem possui, portanto, uma alma espiritual, ou simplesmente, um espírito, que se identifica com o sopro que não é simplesmente ar, mas uma realidade invisível e interior que causa movimento.

Nosso espírito é, logo, a fonte de nosso movimento em direção a Deus, cujo Espírito Santo é tido por “alma de nossa alma”. A base então do amor para com Deus é o culto interno que O prestamos. A tal culto somos todos que admitimos sua existência obrigados, pois a reta compreensão do que é sequer a criação (mesmo aos que não tem conhecimento da redenção operada por Nosso Senhor Jesus Cristo) seria motivo suficiente para render-Lhe graças. Se exercita tal culto praticando a adoração, que é a contemplação das maravilhas obradas por Deus, como fez a Santíssima Virgem no Magnificat; praticando a oração, que é a elevação do espírito em direção a Deus, ou seja, completando-se perfeitamente com a adoração da Criação que nos cerca; fazendo ainda sacrifícios, pois como diz Santo Agostinho “é verdadeiro sacrifício toda ação feita para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz” e como diz também Santa Teresinha do Menino Jesus “o amor alimenta-se de sacrifícios”; e por fim fazendo também promessas e votos, as promessas todos as fazemos, mesmo nos sacramentos como Batismo, Confirmação, Matrimônio e Ordenação, e, como diz o Catecismo da Igreja Católica “o voto, isto é, a promessa deliberada e livre de um bem possível e melhor feita a Deus, deve ser cumprido a título de virtude e religião”. Poderíamos simplificar dizendo que a promessa é o compromisso da prática ou vivência de um bem, enquanto que o voto é o sacrifício de um bem, como a geração de filhos (voto de castidade), por uma maior prática de um Bem superior.

Já a necessidade do culto externo é exigida pela natureza complexa do homem, ou seja, não só a alma deve mostrar agradecimento pela criação, mas também o corpo. E concorre também para a necessidade do culto externo, que a ordem sensível é caminho natural e direto para alcançar a ordem inteligível, como bem explica Aristóteles. O culto externo é como a lenha que alimenta o fogo do espírito, pois que o culto interno se fortalece por tal prática, sendo ele, sem dúvida, superior e mais importante.

E assim como o culto interno exige e chama ao culto externo, também o culto externo exige e chama em seu auxílio ao culto público. É inegável a força exercida sobre o homem pelo princípio da imitação e do exemplo, e do poder da reunião e da associação.

Tratando desse assunto, não poderíamos deixar de falar da controvertida “liberdade religiosa”. Hoje tão mal compreendida como sendo o direito afirmativo de professar o que se bem quer. O mais correto doutrinariamente seria tratarmos apenas da liberdade de consciência, ou seja, a liberdade que cada um tem de responder às necessidades e fatos de suas próprias consciências. Como fala o Cardeal Zeferino González “o homem não tem o direito de professar qualquer religião, mas sim tem o direito e o dever de professar a religião verdadeira”. Ao falar então de liberdade religiosa, o correto seria falarmos da liberdade de não coerção, de não violação da consciência alheia, já que mesmo no nosso direito positivo temos que apesar de quase todo ser humano ter a liberdade (capacidade) física de cometer um homicídio, não somos levados a dizer que o mesmo tenha o direito a tal. Se reconhecemos algo como Verdade não podemos dar à mentira o mesmo valor “jurídico”.

Falemos então de que maneira se dá o culto devido a Deus. O primeiro mandamento contém como preceitos afirmativos às três virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade.

A Fé porque submetemos nossa inteligência a Deus crendo no que Ele nos revela, pois a mais imediata prática da obediência é a “obediência da Fé”, segundo S.Paulo. As formas de pecar contra tal virtude aplicada ao primeiro mandamento são: a dúvida voluntária, quando por pertinácia e má-vontade se quer questionar as Verdades Reveladas, ou a dúvida involuntária, quando levado por questionamentos naturais o homem se deixa afastar da retidão doutrinal. Tais pecados levam à incredulidade que se mostra pela heresia, rejeição a um ponto específico da Sã Doutrina, pela apostasia que é o abandono mesmo da Fé, e por último o cisma que é o abandono da unidade.

A Esperança se revela neste mandamento porque esperamos dEle tudo quanto necessitamos, o sustento nas adversidades e o filial temor de desagradá-Lo. As formas de pecar contra a Esperança são pelo desespero, quando não se crê nem confia mais na Providência divina, pelas falsas esperanças, como nossas próprias forças, o dinheiro e tantas outras, e a presunção, seja de alcançar a Salvação por mérito próprio ou crer que não dependemos de nossa colaboração para a Salvação, mas apenas da misericórdia de Deus.

Não podemos dizer haver motivo algum superior para se fazer algo senão por amor, e significando amor “querer bem”, tampouco podemos dizer que a Bem maior para se querer que Deus mesmo. As formas de pecar tal preceito é não rendendo as graças devidas a Deus por indiferença, por ingratidão, por tibieza, por acídia (preguiça) e por ódio. E o amor, que é a virtude da Caridade, é a mais excelente e maior das virtudes; assim como é o Batismo o mais necessário dos Sacramentos, sem deixar a Santíssima Eucaristia de ser o mais excelso deles, a Fé também é a mais básica das virtudes, sem deixar de ser a Caridade a maior delas, e o verdadeiro significado do 1o mandamento da Lei de Deus. Tal se dá porque a Fé e a Esperança não mais existirão quando tivermos a posse da visão beatífica, pois já estaremos com Deus, só nos restando então a Caridade.

Assim como todos os mandamentos da Lei de Deus, o primeiro mandamento possui dois preceitos: um afirmativo e um negativo. Se como preceito afirmativo poderíamos citar as palavras de Nosso Senhor “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento” (Mt 22, 37), como preceito negativo poderíamos citar as palavras de que “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20, 3). Tal preceito negativo se dá pela proibição da prática da superstição, que podemos chamar de uma perversão da religião, quando não se pensa mais na interferência divina como causadora dos fatos, mas sim que os fatos por si mesmos têm um poder superior a eles mesmos, como crer que passar por debaixo de uma escada poderia acarretar em um revés maior à frente; proibi-nos tal preceito negativo também a praticar a idolatria, adorando coisas inferiores no lugar de Deus; a adivinhação e a magia; a irreligião, que é o inverso da superstição, sendo a prática de ter por menor as realidades da religião, tentando a Deus, praticando sacrilégios e a simonia; e por fim proibi-nos também o primeiro mandamento de sermos ateus ou agnósticos.

“Não farás para ti imagem esculpida de nada” (Ex 20, 4), muitos imbuídos na lógica protestante poderiam objetar tal como sendo parte constitutiva do preceito negativo do primeiro mandamento, mas precisamos então clarificar a que se nos proíbe este preceito. Nunca é demais recordar que tal interpretação se faz necessária a princípio já quando vemos no Antigo Testamento a feitura de serpentes de bronze, da Arca da Aliança e de querubins ordenada por Deus. Não levaria a interpretação da passagem citada diante dos fatos a uma contradição? Não, contanto que compreendamos que tais imagens são simbólicas e não designações diretas dos seres celestes, ou qualquer outra forma; é preciso também explicar que a Encarnação do Verbo inaugurou o que podemos chamar uma nova “economia” das imagens. Já que o próprio Deus tomou uma forma, as conjecturas artísticas perigosas para as almas da Antiga Aliança, dão lugar a uma certeza quanto às representações possíveis. Não se haverá de ouvir que qualquer cristão, caso houvesse existido na época, não gostaria de ter para si, para sempre que possível olhar, uma fotografia de Jesus.

E quanto ao culto dos santos e de Nossa Senhora? Ora, os santos são partes legítimas e constituintes do Corpo Místico de Cristo. “Seus corpos foram membros vivos de Jesus Cristo e templos do Espírito Santo”, como diz o Catecismo Maior de S.Pio X. Não se verá dizer que é o mesmo dar culto a um santo ou a Deus ele mesmo, o culto dos santos chamamos de dulia, o da Santíssima Virgem de hiperdulia, que são formas de veneração, e apenas o culto prestado a Deus Ele mesmo chamamos de latria, ou adoração. A dignidade de todos os santos é apenas partícipe da infinita dignidade que pertence a Deus somente. Mas a intercessão dos santos é algo querido por Deus, como bem vemos no caso do centurião que vai a Nosso Senhor pedindo “dizei uma só palavra”, isso não em proveito próprio, mas para salvar um servo seu, e Cristo assim o consentiu, pela santidade do centurião. Podemos ainda lembrar o escrito de S.Luís Maria Grignion de Montfort que diz que “foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio dela que ele deve reinar no mundo”, já que Deus é Perfeitíssimo o caminho escolhido por ele para vir ao mundo só poderia ser perfeito, e esse caminho foi Maria; se foi, pois, caminho perfeito e sadio para Deus, haverá de ser para nós; e também os santos foram todos em suas épocas e lugares caminhos da graça de Deus para muitos que os conheceram, são também caminhos, menores, mas caminhos, a nos levar a Deus.

Um comentário:

JOÃO JOAQUIM MARTINS disse...
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