quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Divindade de Cristo

Por Peter Kreeft

O dogma da divindade de Cristo é o principal dogma Cristão, pois é comparável a uma chave-mestra que nos abre todos os outros dogmas. Os cristãos não investigaram e testaram todos os ensinamentos, independentemente uns dos outros, recebidos via Bíblia e Igreja, mas acreditam em todos baseados na autoridade Dele. Pois se Cristo é divino, pode ser tido por infalível em tudo o que diz, mesmo nos ensinamentos duros como quando exalta o sofrimento e a pobreza, proíbe o divórcio, dá à Igreja a autoridade de ensinar e perdoar os pecados em Seu nome, adverte sobre o inferno (com freqüência e gravidade), institui o escandaloso sacramento de comer-Lhe a carne – por vezes até esquecemos quantas “palavras duras” nos dirigiu!

Quando os primeiros apologetas cristãos começaram a explicar a Fé que tinham aos não crentes, a doutrina da divindade de Cristo naturalmente foi atacada, já que era quase tão incrível para os Gentios quanto escandalosa para os Judeus. Que um homem nascido do ventre de uma mulher e morto numa cruz, um homem que teve cansaço e fome e raiva e agitação e que chorou no túmulo de seu amigo, que esse homem com sujeira debaixo das unhas devesse ser Deus era, simplesmente, a idéia mais impressionante, inacreditável e louca que já povoou o pensamento humano.

O argumento que os primeiros apologetas usavam para defender este dogma, aparentemente indefensável, tornou-se clássico. C. S. Lewis o usava com freqüência, em Cristianismo puro e simples, o livro que convenceu Chuck Colson (e muitos outros). Certa vez gastei metade de um livro (Between Heaven and Hell*) apenas neste argumento. É o argumento mais importante da apologética Cristã, pois se um incrédulo aceita à conclusão (de que Cristo é divino), tudo mais que é de Fé segue-se, não só intelectualmente (todos os ensinamentos de Cristo devem ser verdadeiros), mas também pessoalmente (se Cristo é Deus, Ele é também seu Senhor e Salvador).

O argumento, como todos os argumentos eficazes, é extremamente simples: Cristo ou era Deus ou um homem mau.

Os incrédulos normalmente dizem que ele era um bom homem, não um homem mau; que ele era um grande mestre da moral, um sábio, um filósofo, um moralista, e um profeta, não um criminoso, não um homem que merecesse ser crucificado. Mas um bom homem é justamente o que ele não poderia ter sido por simples bom senso e lógica. Pois ele arrogava ser Deus. Ele disse “Antes que Abraão fosse, Eu Sou”, assim falando a palavra que nenhum judeu ousava pronunciar já que era o próprio nome de Deus, dita a Moisés pelo próprio Deus na sarça ardente. Jesus queria que todos cressem que ele era Deus. Queria que as pessoas o adorassem. Ele afirmava perdoar os pecados de todos contra todos. (Quem poderia fazer tal senão Deus, Aquele ofendido em cada pecado?).

O que pensaríamos de uma pessoa que fizesse tais afirmações hoje? Certamente não pensaríamos que se tratasse de uma pessoa boa ou um sábio. Há apenas duas possibilidades: ou ele está falando a verdade ou não. Se ele falou a verdade, ele é Deus e ponto final. Nós devemos acreditar nele e adorá-lo. Se ele não falou a verdade, ele não é Deus, mas meramente um homem. Mas um mero homem que quer ser adorado como Deus não é um bom homem. Ele de fato é muito mau, seja moral ou intelectualmente. Se ele sabe que não é Deus, então é moralmente mau, um mentiroso tentando persuadi-lo deliberadamente a blasfemar. Se ele não que não é Deus, mas se sinceramente pensa que é Deus, então é intelectualmente mau – insano, na verdade.

A medida da insanidade é a diferença entre o que se pensa ser e o que se realmente é. Se penso que sou o maior filósofo da América, sou apenas um tolo arrogante; se penso que sou Napoleão, já adentrei o abismo; se penso que sou uma borboleta, há muito já dei adeus às terras ensolaradas da sanidade. Mas se penso que sou Deus, sou ainda mais insano, pois a distância que separa qualquer coisa finita do Deus infinito é muitíssimo maior que a distância entre duas coisas finitas, mesmo que seja entre um homem e uma borboleta.

Josh McDowell resumiu o argumento de forma simples e memorável no trilema “Senhor, mentiroso ou lunático?”, estas são as únicas opções. Então, por que não mentiroso ou lunático? Ora, ninguém que lê os Evangelhos pode honesta e sinceramente considerar tal possibilidade. O conhecimento, a candura, a sabedoria, a atratividade de Jesus emergem dos Evangelhos para todos, mesmo para o leitor de coração mais duro e preconceituoso. Compare a Jesus com mentirosos como o Reverendo Sun Myung Moon ou lunáticos como o moribundo Nietzsche. Cristo possui àquelas três qualidade que mais claramente faltam aos mentirosos e lunáticos:

1. Sua prática sapiente, sua habilidade de perscrutar os corações dos homens, e de compreender as pessoas e o sentido real por trás de suas palavras, sua habilidade de curar os espíritos das pessoas, assim como seus corpos.
2. Seu profundo e conquistador amor, sua compaixão apaixonada, sua capacidade de atrair as pessoas e fazê-las sentirem-se perdoadas e em casa, sua autoridade, “não como a dos escribas”; e acima de tudo
3. Sua habilidade de surpreender, sua imprevisibilidade, sua criatividade. Mentirosos e lunáticos são tão chatos e previsíveis! Ninguém que conheça aos Evangelhos e aos seres humanos pode seriamente acreditar na possibilidade de que Jesus fosse ou um mentiroso ou um lunático, um homem mau.

Não, os incrédulos costumam acreditar que Jesus foi um homem bom, um profeta, um sábio. Bem, se ele era um sábio então, podemos acreditar nas coisas essenciais que ele acreditou. E o ensinamento essencial dele é que ele é o divino Salvador do mundo e que você deve ir a ele para encontrar a salvação. Se ele é um sábio, você deve acreditar que seus ensinamentos essenciais são verdadeiros. Se seus ensinamentos são falsos, então ele não é um sábio.

A força desse argumento está em não ser meramente um argumento lógico a tratar de conceitos; trata do Cristo. Ele convida as pessoas a lerem os Evangelhos e conhecerem esse homem. A premissa do argumento é o caráter de Jesus, a natureza humana de Jesus. O argumento tem os pés no chão. Mas nos eleva ao céu, como a escada de Jacó (que Jesus disse significar ele mesmo: Gen 28, 12; Jo 1, 51). Um degrau sucede ao outro e todos sobem na mesma direção. Esse argumento é logicamente hermético; não há para onde fugir.

O que as pessoas dizem, então, quando confrontadas com esse argumento? Com freqüência, simplesmente deixam transparecer seu preconceito: “Ah, eu simplesmente não posso acreditar nisso!” (Mas se foi provado ser verdade, você deve aceitar como verdade, se a busca).

Muitas vezes, se afastam, como muitos dos contemporâneos de Jesus, imaginando e balançando as cabeças e pensando. Talvez seja o melhor resultado que se possa esperar. O terreno foi lavrado e preparado. A semente foi jogada. Deus a germinará.

Mas se eles conhecem a teologia moderna, têm uma ou duas escapatórias. Teologia tem escapatória; bom senso não. O bom senso é facilmente conversível. São os teólogos, como outrora, que são os endurecidos para a conversão.

A primeira escapatória é a dos “biblistas” de atacar a confiabilidade histórica dos Evangelhos. Talvez Jesus nunca tenha alegado ser Deus. Talvez todas as passagens problemáticas sejam invencionices da Igreja primitiva (diga “comunidade Cristã” – soa melhor).

Nesse caso quem inventou o Cristianismo tradicional se não Cristo? Uma mentira, assim como uma verdade, deve originar-se em algum lugar. Pedro? Os doze? A geração seguinte? Qual o motivo de quem quer que seja ter inventado esse mito (eufemismo para mentira)? O que tiraram desse elaborado embuste blasfemo? Pois deve ter sido uma mentira deliberada, não uma confusão sincera. Nenhum Judeu confunde Criador com criatura, Deus com homem. E nenhum homem confunde um defunto com uma pessoa ressuscitada, viva.

Eis o que eles tiraram do embuste. Seus familiares e seus amigos escarneceram deles. Sua participação social e política, suas posses, lhe foram surrupiadas tanto pelos Judeus quanto pelos Romanos. Foram perseguidos, aprisionados, chicoteados, torturados, exilados, crucificados, devorados por leões, e cortados em pedaços por gladiadores. Então alguns Judeus apatetados inventaram toda elaborada e incrível mentira que é o Cristianismo sem razão alguma, e milhões de Gentios creram neles, devotaram sua vida a isso – também por razão alguma. Tudo não passou de uma fantástica pegadinha, um embuste. Sim, há um embuste de fato, mas seus perpetradores são os teólogos do século XX, e não os evangelistas.

A segunda escapatória (veja como sempre estamos ansiosos para escapar dos braços de Deus como peixes escorregadios) é a de orientalizar Jesus, interpretando sua afirmação de ser o homem-Deus como um dos místicos ou dos muitos “adeptos” que percebiam sua própria divindade interior como um típico místico Hindu. Essa teoria simplesmente nega que Cristo tenha se arrogado o título de divindade, mas que em verdade tenha apenas percebido que somos todos divinos. O problema dessa teoria é simplesmente que Jesus não era Hindu, mas sim Judeu! Quando ele disse “Deus”, nem ele nem seus seguidores queria dizer Brahma, o impessoal, panteístico e imanente tudo; ele queria dizer Yahweh, o pessoal, teístico e transcendente Criador. É altamente inverossímil ver a Cristo como um como um guru Judeu. Ele ensinou a rezarmos como filhos de Deus, não a transcendermos esse estado pela meditação. Seu Deus é uma pessoa, não um pudim. Ele disse que era Deus, não que todos eram. Ele ensinou a respeito do pecado e do perdão, como nenhum guru fez. Ele nada disse a respeito da “ilusão” da individualidade, como fazem os místicos.


Ataque todas as escapatórias – Jesus como um simples homem bom. Jesus como um lunático, Jesus como um mentiroso, Jesus como homem que nunca reivindicou ser divino, Jesus como místico – remova esses portos seguros, e haverá apenas um porto seguro para os incrédulos se refugiarem. E uma feliz núpcias será. Pois todo esse argumento não passa de um pedido de casamento.


* Não publicado no Brasil.

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