sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A desocupação do ocupar

“Todo poder necessita de um inimigo e de uma ameaça, pois sua mais segura justificação é a proteção que ele oferece contra tal perigo”.

A citação pela qual começo o texto foi proferida pelo historiador francês Jerôme Baschet, em entrevista no ano passado (2006) ao Instituto Humanitas Unisinos. O extrato é em verdade uma análise do posicionamento dos EE.UU. perante os islamitas, tratando da necessidade que surgiu à nação americana de direcionar suas atenções a um novo “bode-expiatório” após o fim da Guerra Fria, e da aniquilação de sua antagonista, a URSS. Acredito, no entanto, que é um diagnóstico de uso universal e que pode aplicar-se mesmo ao canhestro modus operandi dos grupos políticos universitários da atualidade.

Sem sombra de dúvidas uma das maiores causas da atual situação do panorama político brasileiro, como um todo, foi a existência e extinção da ditadura militar. Lula deve sua presidência à ditadura. A suposta identidade direitista dos militares parece ter vacinado o Brasil, ou pelo menos a classe “pensante” do Brasil, contra todas as posições políticas que de alguma forma se alinhem ou se aproximem ao pensamento de direita, seja uma defesa da moral ou da economia liberal. Enquanto figura política, Lula nasceu nos movimentos sindicalistas que ousavam levantar suas vozes contra a ditadura, seu discurso era inegavelmente mais inflamado do que hoje, nunca deixando de ser, no entanto, um esquerdista, conseguiu ascender ao poder. Ele não caiu nas graças do povo por pregar o socialismo, o povo brasileiro é ainda não muito amigado desse tipo de discurso. Os que nele votaram foi por identificação com sua imagem e não com suas idéias, apesar de que as idéias dele serviram para comprar a simpatia dos “pensantes” e dos ditos formadores de opinião.

Assim como Dom Quixote via nos moinhos, gigantes, Lula diz ver na farinha de seu mesmo saco, a elite predadora. Assim como nosso presidente precisou que o Brasil fosse vacinado contra o “direitismo”, os movimentos estudantis parecem apenas existir com auxílio dessa mesmíssima premissa. Em defesa da democracia invadem prédios públicos, como se 1964 estivesse novamente começando. Nas suas ações ecoa o grito de “Abaixo a ditadura!”.

Ter permanecido durante tanto tempo como centro de tantas articulações políticas, fez o meio acadêmico cansar-se dessa lengalenga. Não percebem os jovens em suas camisas de Che Guevara o ridículo que há muito se tornou essa sua inclinação revolucionária? Dizem lutar contra a opressão e as posturas antidemocráticas, no entanto, oprimido sinto-me eu representado por esses grupos que em nada me relaciono.

Os grupos estudantis vivem por conta dos fantasmas ditatoriais, enxotam os fantasmas para cima dos que deles discordam, aqueles que por eles são “insultados” de reacionários e conservadores, e mesmo fascistas. São eles, entretanto, que parecem esforçar-se em manter vivos esses fantasmas. Há nessa lógica um pequeno problema, todos os que restam do lado de fora desses movimentos parecem não possuir a mesma “perspicácia”, que os nobres politizados e esclarecidos dos D.A.s da vida, em enxergar esses fantasmas. Essas alucinações frutos de algum tipo de iniciação, em verdade, fazem parte deles mesmos, são eles os infestos, os possuídos pelos fantasmas ditatoriais. “Abaixo a ditadura!”, faz-se necessário que eles mesmos escutem seus gritos, pela voz de outros, dos “alienados”. Abaixo a ditadura!

Possuídos então, pelos assombros da ditadura, alguns jovens estudantes parecem ter visto na contestação ao REUNI a necessidade de ocupar a reitoria da Universidade Federal de Pernambuco. Com direito até a slogan de campanha: “Ocupe a reitoria dentro de você!”. Singelo, não é mesmo? Entre uma discussão de assembléia e outra, encontravam tempo ainda para oficinas de tapioca e artesanato, assistir filmes do Godard, feijoadas e a apoteótica festa da ocupação. Isso claro sempre visando combater o autoritarismo do reitor, que tardou, receoso que ficou, em dar aos estudantes o que eles esperavam: o uso da força na desocupação. Parece haver um desejo inato de sofrimento aos marxistas, de algo que possa ser identificado como opressão. É certo que o Paraíso para eles deve cumprir-se aqui na Terra, mas precisam desse pequeno martírio para se justificar. Estudantes que são da, ainda considerada, melhor universidade pernambucana, ocupando gratuitamente um espaço público, onde realizam abertamente festas, anunciadas em seu blog, precisam ser vitimizados para se identificarem com seu próprio discurso, para fazerem jus ao que pregam. Precisam dizer que são excluídos, nem que seja da reitoria, mas precisam ser excluídos.

E assim permanece a mobilização estudantil, relegada à inércia histórica, presa nos grilhões do status quo tupiniquim. Faço meu o clamor de muitos: menos política e mais estudo! Não desejo fazer aqui apologia ao REUNI, de forma alguma, reconheço as falhas lógicas da perpetração desse projeto, mas as respostas dadas parecem por demais desproporcionadas às causas. Pelos clamores democráticos do grupo representativo dos estudantes, foram interrompidas muitas das práticas necessárias ao bom funcionamento da Universidade, até mesmo bolsistas viram-se sem seu auxílio de custo mensal. Talvez enquanto ingeriam a feijoada os ocupantes, e se atormentavam os bolsistas, tudo o que desejavam os arquitetos dessa mobilização toda fosse realmente a melhoria dos cursos, disso não duvido, mas o princípio de que os fins, de alguma forma, justificam os meios foi antes deles utilizado por ditadores sanguinários. É... os estudantes fazem a Universidade, enquanto Hitler faz escola.

A principal bandeira levantada desse “auê” todo foi uma suposta falta de consulta em relação ao corpo discente na implementação do REUNI. É triste, entretanto, constatar que o próprio corpo discente, dotado de algum consentimento messiânico, usa do querer de alguns para fazer valer seus ideais em nome de todos. A política é um assunto extremamente instigante, a maneira infantil como é tratada, porém, nos meios acadêmicos, torna-a insuportável. Se o movimento estudantil se esforçasse em buscar novos meios de articulação garanto que a perspectiva de uma juventude sadiamente politizada seria outra, e nos livraríamos desse marasmo ditatorial que nos empurra a um sentimento apolítico. Por isso se não ocorre mudança interna no modo de agir dos movimentos estudantis, se a política é vista nessa única perspectiva, não temo em dizer que não a desejo. Diante dela posso apenas dizer: Menos política e mais estudo!

P.S: Democraticamente disponibilizo aqui o endereço eletrônico do blog da ocupação, para que não venham a contestar nenhum tipo de direito de resposta:
http://ocupaufpe.blogspot.com

Por

Gustavo V. de Andrade

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